16 de dezembro de 2011

Já roubei!

    É Dezembro. Tempo de alegrias e, para muitos, temores. Não há quem escape do julgamento do 'Bom velhinho', seja ele uma extrapolação da já alegorizada figura divina, existindo ou não, é melhor não arriscar. Aqueles que se portaram bem serão recompensados. Já os outros...
    Assim sendo, resolvi confessar: Já roubei! Não sou um completo degenerado, facínora, mau caráter. Sou conhecedor dos 10 mandamentos e meus pais não falharam em minha educação. Meu pudor e consciência penitenciaram-me logo após, mas mantenho que o que fiz é compreensível e até aceitável. Deixem as luzinhas fabricadas na China  iluminarem seus pensamentos.
    Em minha defesa, essa contravenção pode ser vista como uma herança genética. Como um ato de bestialidade decorrente do neolítico, quando quem era incapaz de produzir, coletar ou caçar, via-se obrigado a tomar o alimento de quem o possuía. Instinto de sobrevivência.
    Se biologia não basta, levem em conta a história. A ganância tem sido impulso para o crime. Pensem nas classes poderosas e até na igreja que têm se aproveitado da ingenuidade dos menos abastados para usurpar-lhes. Tomam-lhes o sangue e o suór e sempre justificam suas hediondices como sendo necesssárias para o bem de muitos ou de todos. A sociedade corrompe o homem. Pensamento rousseano é mais atual do que imaginam.
    E que tal um pouco de psicologia? A vontade consciente domina seu poder lógico e, em um descuido, seu inconsciente é quem age. Não posso dizer que ponderei longamente minha ação antes de executá-la. Somos reflexo da condição humana de sempre querer possuir o alheio e agimos de acordo com esse reflexo, respeitando ou não a moral estabelecida pela maioria.
    Agora, lembrem-se bem de suas vidas até o presente instante. Quem nunca roubou coisa alguma, um lápis, um chiclete, um beijo, que atire a primeira pedra. Papai Noel sabe de tudo. A defesa encerra.

17 de novembro de 2011

Madrugada

    Não é a primeira vez que acontece. Acordei antes da hora. Meu celular marcava 3:45. Com meio sorriso estampado, virei para o outro lado e tentei voltar ao sono. Nada mais prazeroso do que acordar antes da hora e saber que ainda há tempo para dormir. Nada pior do que perder o sono.
    Não há muito o que se fazer às 3:45 da matina, então resolvi tentar lembrar dos detalhes do que estive sonhando antes do trágico e desnecessário despertar. Olhei em volta tentando encontrar algo que me remetesse ao sonho. O quarto estava completamente escuro. Não consegui reconhecer sequer a silhueta da mobília em meio à penumbra, afinal, o sol ainda tomaria bem umas três horas para permear os finos orifícios de minha janela, deixando o aposento com um ar lúgubre.
    Tentei então escutar os sons da rua. Lá fora havia somente um escandaloso silêncio. Uma atormentadora ausência de ruídos. Nenhum ladrar longínquo, nenhum carro, nenhum bêbado cantando. Senti-me envolto em um nada. Flutuando em silêncio e escuro. Primeiro apreciei a paz e a estranheza daquela madrugada insólita, depois preocupei-me. E se eu estiver cego? Não, não...Acabo de ver as horas no celular. E se eu estiver surdo?
    Um fervilhar de ideias malucas terminou por afastar completamente o sono de mim.
    E se eu estiver mudo? Ah, céus! E se eu morri? Sempre imaginei que morrer fosse assim. Estar envolto em um eterno e infinito nada.
    Inspirei com força e senti o ar gelado entrar em meus pulmões recém amanhecidos. Estava vivo.
    Pigarreei. O ruído grotesco dirimiu minha dúvida quanto à surdez e quanto à capacidade de meu aparelho fonador emitir sons.
    Minha satisfação foi interrompida com o estridente e odioso despertador do meu celular. Só mais cinco minutos...Tornei a deitar-me, contente com meus persistentes sentidos, mas logo entrou minha mãe de sopetão:
    -Acorde e apronte-se, garoto, ou perderá a hora!
    E passei mais um dia entre carros, sirenes, gritos e uma claridade que revela a feiura dessa cidade. No fim das contas, para mim, tudo aqui já perdeu o sentido.

28 de outubro de 2011

Cena

Prepare o palco.
Aí vamos nós.
Entrelaçados
então chegamos.

Olho no olho,
balança, balança,
ficando tonto
e me perdendo.

Que bela cena.
As mãos cerram-se
tão perfeitamente

e o abraço quente
tão terno e eterno
que sempre balança a gente.

19 de outubro de 2011

Gran Mídia

    Uma imagem mente mais que mil palavras. Na falta do vocabulário adequado, algumas simples representações gráficas exortam com eficiência os mais diversos grupos, impressionando, entretendo, iludindo. Nós seres do novo milênio temos filia pela irrealidade entorpecente difusa pela mídia.
    O real cotidiano não agrada. Não é mais o bastante. Queremos romances hollywoodianos (com garotas que lembrem a Scarlett Johansson, ou garotos como o Brad Pitt), queremos super-poderes e novas leis físicas. Quem sabe até governantes que lutem heroicamente contra uma invasão alienígena? E despertamos e frustramo-nos. Já é difícil acabar com a corrupção. Os et's terão que aguardar.
    Se fossemos reconstruir a história somente através de imagens, teríamos sérias distorções.
   
    -Achei uma nova ilustração do período napoleônico. O tirano brincava de ciranda com as criancinhas. É fato!
    -OHHH! diria a pasma comunidade intelectual, enquanto Napoleão riria debochadamente de onde quer que ele esteja.

    Ou:

    -Vê-se por essa tela que o grito do Ipiranga foi uma ocasião gloriosa em nossa história.
    E o povo brasileiro, cada vez mais confuso, sairia às ruas pedindo a volta da monarquia.

    Mas que mal há em viver alheio ao real? Talvez seja mais saudável privar-se do dissabor que enfrentar a abjeta verdade que nos cerca. Esquecer a criminalidade e sair mais à noite. Arriscar (dosadamente) coisas novas. Pular da janela do 17º andar não é uma boa, pois as leis da física ainda não mudaram. É só termos mais cautela com o irreal nocivo, como a trágica existência de editores de imagem.

    -O que é isso?
    -Uma verruga!
    -Mas você não a tinha na foto que me enviou...
    -E você não era vesgo!

28 de setembro de 2011

Level up

    Não é meu primeiro blog, mas há tempos não escrevia coisa alguma. Talvez seja bom ritualizar, embora eu nunca o tivesse feito. "Não preciso de preparação para poder redigir uma ideia", era o que eu pensava. Sentei-me ao teclado...Onde estariam as ideias? Preciso ritualizar. Mecanizar o processo, só até reaver os traquejos e desenferrujar-me. Alongo dedos e pescoço, evoco entidades inspiradoras, respiro fundo e...nada.
    Não me culpem. Essa minha nova fase, ainda zigótica, com sorte será do agrado dos antigos leitores e dos possíveis novos. E como não sei bem de que maneira devo inaugurar esse blog, resolvi publicar algo de um dos melhores cronistas que já vi (li), afinal, não tem como errar com um texto destes.

Balada

Esta é a balada do Surfista Dourado
que com a prancha emborcada e sentado no chão
ainda ontem, na praia, pensou desolado:
a vida continua depois do verão...

Este ano o seu pai já lançou o ultimato.
Vai acabar esta sopa, este doce far niente.
"Vais ter que escolher, senão te mato:
ou volta a estudar ou pega no batente".

E diante deste futuro hediondo
ele teve uma ideia de engenheiro da NASA.
Ora, pensou, o mundo ainda é redondo
e há mais de um jeito de voltar para casa.

E correu para o mar,  e nadou para o Oriente
e aos gritos de "Volta! Maluco! Pirado!
Tens que vir pra Porto Alegre com a gente!"
Respondeu "Chego lá, algum dia, e pelo outro lado!"

Luís Fernando Veríssimo, 1996, Pai não entende nada.