Nós o compramos quando mudamos
de casa pela primeira vez. Eu tinha cinco ou seis anos. A nova casa era
espaçosa e a sala tinha dois ambientes bem amplos. Cenário convidativo para a
compra de mobília. Um de dois e um de três lugares. O novo sofá deveria
refletir o suposto período de prosperidade que nossa família teria pela frente.
Ninguém pensava em feng-shui. Estávamos nos adequando ao padrão da classe média
da época, gastando dinheiro que não tínhamos, tentando preencher com tralha os
vazios que um mau relacionamento tem. Mas o novo sofá havia chegado, com suas
almofadas pesadas e envoltas num couro marrom, sintético e áspero que nunca me
agradou.
As contas se tornaram
prioridade. A dispendiosa mensalidade escolar, minha e da minha irmã, somada ao
aluguel e às compras do mês resultava em gente dispersa pelos cantos da cidade.
Os pais labutando o sustento da experimental família, os filhos nutrindo as mentes e caminhando com passos largos ao
incerto fututo, a caríssima sala vazia e o gato desfrutando o novo sofá. Mas, à
noite, a figura toda se transformava. A hora da janta era marcada como o
período de se exercitar nosso apego, com lista rígida de tarefas a serem
realizadas, como jantar juntos, demonstrar interesse na vida dos outros habitantes
dali, ensaiar afeto e, é claro, apertar a família inteira em um único sofá,
para a dose de horário nobre. Depois dormíamos satisfeitos com o incipiente
progresso. As coisas melhorariam! (?)
Não demorou muito para que a
trilha sonora esmorecesse bastante. Os habitantes da casa foram diminuindo.
Exceto os gatos, que eram repostos regularmente. Mas o sofá persistiu.
Enfrentou estoicamente mais duas outras casas. Cerca de treze invernos,
permeados por percalços financeiros, mas nunca um retrocesso. Todos ainda
estávamos crescendo e abarrotados no sofá que testemunhou nossa emergência.
Tamanhas as conquistas que o sofá agora é outro. Num tom de ótimo gosto,
assentos retráteis e um chaise-longue. Espaçoso e acolhedor. Ironicamente,
quando reunidos, ainda nos amontoamos num só canto dele. Um observador externo diria
que é para sentirmos o calor que nos manteve juntos. Eu acho que a TV é
pequena.
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