5 de abril de 2018

Candeloculta

Ela é elusiva. 
Escondida no fundo da retina no relance do giro que damos ao cair da cama. 
Ganha forma no nome a que chamamos enquanto dormimos. 
É um feixe que curva com gravidade imensa. 
É a saída do buraco negro. 
É o que gastamos a vida procurando e somente encontramos num pergaminho mágico. 
Um dia que dura anos.
Irradiada sobre toda sombra. 
O sonho de quem volta a viver no escuro.

"Que seja infinito enquanto dure."

Este  é meu último texto.

Com voraz amor,
T.A.

17 de março de 2018

Basal

Há um amor oculto
No azul esferografado,
Que não somente o dito
Pelos tipos aglutinados,
Mas no rastro da tinta
Borrada pela sinistra
De quem tremia
Ao redigir, censurado:
"Do seu amigo"
E não "Do seu amado".

25 de fevereiro de 2018

Prece

Que nenhuma boa ação seja impune
E nenhuma transgressão desapercebida
Que teu toque seja áspero
E teu sexo tépido
Teus pensamentos gritados
E teus dizeres lacônicos
Que tua existência seja inócua
E teus ares inúteis

7 de fevereiro de 2018

Genesis

    A função vital dos pais é fazer seus filhos pensarem ser mais especiais do que realmente são. Isso para os bons pais. Os maus pais mostram a seus filhos, em tenra idade, o quão ordinários e dispensáveis são para o mundo. Essa é uma observação antropológica incontestável. A ciência comprova. Bem como é possível demonstrar que as pessoas mais notáveis da história não eram realmente humanas e não tiveram pais. Sua origem alienígena é mantida em segredo e poucos ovos são encubados em épocas estratégicas, a fim de salvar nossa espécie de sua certa derrocada com convenientes saltos tecnológicos, em uma grande conspiração que os Estados Unidos tentam esconder. Elon Musk está aí para provar.
    Eu tive bons pais. Consegui nutrir por anos a ilusão que garante sermos boas engrenagens na máquina da vida. Servos dos aliens. Somente com mais de um quarto de século nas costas pude notar que meu melhor atributo pessoal é o mesmo que elogiavam na ingênua criança que fui. "Nossa! Ele come bem, não?!" Ah, e como...Se pudessem ver do que sou capaz hoje...Não somente isso. Também tiro sonecas com maestria. Uma pena que a força de trabalho não absorva pessoas com essas qualidades. Eu viajaria o mundo e apresentaria workshops...Mas é um vasto mundo. Certamente há quem supere minhas habilidades. Cá estou...achando ser grande coisa. Obrigado, mãe!


29 de janeiro de 2018

(2B ∨ ~(2B))

    Muito do que é abstrato torna-se compreensível somente por exclusão lógica. Digo, a maneira mais rudimentar de definir algo é pela descrição do conjunto complementar. Emerge daí a dicotomia que grassa juízo maniqueísta e é o pesadelo mais renitente de alguns, sobremaneira daqueles cujas antiquadas lentes não permitem apreciar as singelas intersecções existentes. Os mesmos que sentiam-se molestados quando o tema da aula de desenho na pré escola era livre, pois precisavam de limites bem definidos, agora, sofrem por terem suas convicções ruídas e suas fronteiras borradas pelo escrutínio que os roubou uma vida preto e branca e apresentou um gradiente onde palavras como 'bom', ou 'ruim' não exercem com eficiência seu poder.
    Se aceitarmos chamar de progresso o caminho percorrido pela humanidade, é tacanho, para não dizer estúpido, negar que existimos entre infinitésimos que formam espectros tão diversos que é penoso ilustrá-los. Contudo, permanece a fatídica tentativa de alguns afirmarem-se através do desejo de nulidade de outrem. Sempre um novo über alles, sem notar quão exígua é a diferença que colheu essa animosidade. Algum contorno do alvo pode parecer bem claro, mas a questão que passa ao largo é que, quase sempre, aquele que chamamos de antagonista é nosso real propelente e nossa mira aponta para a outra extremidade da mesma gangorra em que estamos.