27 de março de 2016

II

- Você não pode fazer isso!
Disse-mo grave, mas sem esboçar cólera. Havia uma solene reticência na exclamação. O ar aberto para redarguir. Contestar esse comando. Ela aguardava e seu semblante ficava confuso, como o de quem testemunha uma partida sem despedida, mas minha resposta foi retidão. Uma vastidão de desdém à censura. Agora agravava-se. Sentia perder o controle da situação,  uma vez que plano e execução não convergiram. E quanto mais exasperação me lançava, mais lacônico eu era. Por fim, gritava...NÃO PODE FAZER ISSO!
Já não era acerca da primeira imposição,  mas sim sobre o desmanche de seu remate, tão bem calculado, mas sem êxito.
Somente concordei, triunfante. Feito o abscesso que cresce na carne. Vencê-lo requer extirpar um naco de si. Todos optam por espremer... E ele sempre retorna.

(Continua)

26 de março de 2016

I

    Ninguém dirá que é tarefa fácil expor uma ideia recém concebida, dada a escassa compreensão que uma novidade traz. Toma tempo maturar um fruto mental. Por isso é mais fácil relatar suas predecessoras. Sim. Contar do passado é menos árduo. As feridas fecharam e os pensamentos já foram satisfatoriamente processados a ponto de, agora,  poderem ser transcritos. O que começarei aqui não serão memórias propriamente,  mas sim uma pintura de eventos passados, sob a ótica mistificada do presente. Contar sem florear não renderia bons capítulos. A realidade travestida é o mais cobiçado dos produtos. No mais, podem dizer que estou mentindo. Digo que poupando-os de torpes verdades. Somente. Estou anunciando uma graciosa ilusão, então que tomem dessas letras quem gostar de ser enganado.

    Não retrocederei demasiadamente na linha temporal. A história começará quase pelo cabo. Num prosaico dia que ficou marcado por uma valiosa lição. O cair das máscaras. A descoberta de que não somos sujeitos, tampouco agentes do enredo fiado pelo universo. E meus desígnios começaram a ser revelados. Como bom aluno, tomei ditado.
Pule uma linha...
Parágrafo...
Travessão...

(Continua)