15 de junho de 2016

Jardinagem

Fez todo sentido para mim o que ela disse da flor que trazia à boca. Disse que, embora essa estivesse perecendo de ter sido colhida, continuava bela para ela. E é essa a tristeza das flores. Se as levar contigo, não durarão. Porque nem tudo são flores. Ou são?

Atitulado

Eventuado o pobre peito,
Ensimesmado e desatento,
Volta logo a amar
E amado também fica.
Fica depressado o mesmo
E chega contalento
Ao fim do caminho errado
Endireita, diacho...
Corre almado e ama
E amado também fica.

4 de junho de 2016

Non sequitur

Qualquer porto numa tempestade. Depois da tempestade vem a bonança. Boas coisas àquele que espera. E no fim, quem em meio à tempestade esperava encontrar um porto, morreu afogado. Porventura teve uma pneumonia. Ou tornou-se Jonas, mas enfim, encontrou uma baleia com quem ter, porque se Deus ajuda quem cedo madruga, meu relógio está há tempos quebrado. Dele não ouço susurro sequer. Assumo que estou no inferno. Bom para desfrutar de todas essas boas intenções. Mas já perdoei o laconismo divino. Quando um não quer, dois não discutem. Difícil saber o que fazer com essa cólera que restou, então visto essa carapuça sorridente. Mas a mentira tem perna curta e não acho que meu mundo acabará em barranco, então serei forçado a comprar uma muleta. A única coisa na vida em que poderei apoiar-me. Pois bem. Antes só que mal acompanhado e devegar se vai longe.

2 de junho de 2016

V

    Eu acordo. Sonhei com você. Novamente. Teimo levantar. Mais medo que preguiça. Mais angústia que sono. Estou cansado, é claro. Mas sempre estive. Desfaço-me das cobertas. Começa em mi menor. Meu café é o de sempre. Eu queimo o pão. Meu cabelo fica cheirando a fumaça. Eu penso em você. Você gostava do meu café. Meu peito dói. São 6h. É um mi menor. Dentes escovados e cabelos penteados. A roupa é qualquer. Tomo e elevador e monto minha moto. Seus braços estão apertando-me cada vez que acelero. Todos os lugares que passo eu já passei com você. São 7h e é um mi menor. Será um dia longo. Todos são. As aulas podem estar boas. Não sei. Um professor chama-me a atenção. Estava sonhando acordado. Era você. No almoço ainda era você. Comi algo? Não lembro o gosto. Lembro de sair com você. Meu peito dói. São 14h. É um mi menor. Voltando para casa não estou atento a coisa alguma. Não ouço minha moto barulhenta. Distraído quase causo acidente. Difícil pilotar com olhos mareados. Eu poderia fechá-los e deixar-me ir. São 17h. Mesma nota. Eu estou arrependido. Eu quero consertar tudo. Como cheguei aqui? São 22h. Não sei onde estive? Onde está você? Tudo na minha cabeça é gritado. Minha garganta está doendo. Acho. Há algo pressionando de dentro para fora. Estou desesperado. Onde está você? É meia noite. Eu acho que tinha lição. Não importa. Não consigo seguir. Amanhã não sairei da cama. Acaba em mi menor.

(FIM)