12 de julho de 2012

XXI

    Lembro-me de quando ele chegou. Estávamos há quase uma semana na praia. Família grande reunida em um rústico chalé. Tudo era coberto por aquele pó de madeira deixado pelos cupins que partilhavam a habitação conosco e , como sempre, todos tinham ares auspiciosos, típico do clima marítimo misturado com aquela época do ano.
    Eu havia passado o dia entretido com minha elaborada arquitetura de areia que era, infelizmente, sempre devastada por tsunamis inesperados. Corria atrás dos sorveteiros e fugia dos ameaçadores carangueiros esbranquiçados que sempre pinçavam meus dedos durante as obras dos túneis. À noite, surpreendentemente, havia mais energia em mim do que em um refrigerante quente e agitado, então a família saía para caminhar. Meu avô com sua solene boina e minha avó sempre comedida ao seu lado. Tios e primos sorridentes comprando crepes. Meu pai me levou para comer casquinha de siri e tomar soda. Aquela tão rara soda da garrafinha de vidro verde. Talvez essas sejam lembranças de uma criança mistificada, mas isso não importa.
    Lembro-me que a Globo exibiu Titanic naquela semana. Em duas partes  e dublado, mas isso não importa. Lembro-me que havia supersticiosos por toda parte, anunciando o iminente fim dos tempo, mas isso não importa. O que importa é que certa noite daquela semana houve muitos fogos de artifício e sorrisos e promessas, enquanto eu, tão ingênuo, não me dava conta de que um novo século se iniciara. Agora cheguei aos 21 e há novos superticiosos anunciando o iminente fim dos tempos e eu lamento não poder voltar àquele dia em que tudo na minha vida parecia perfeito. Não sou mais mistificado porque sei que não verei um novo século chegar. Mas isso não importa.