13 de maio de 2013

Quer pagar quanto?


                Nós o compramos quando mudamos de casa pela primeira vez. Eu tinha cinco ou seis anos. A nova casa era espaçosa e a sala tinha dois ambientes bem amplos. Cenário convidativo para a compra de mobília. Um de dois e um de três lugares. O novo sofá deveria refletir o suposto período de prosperidade que nossa família teria pela frente. Ninguém pensava em feng-shui. Estávamos nos adequando ao padrão da classe média da época, gastando dinheiro que não tínhamos, tentando preencher com tralha os vazios que um mau relacionamento tem. Mas o novo sofá havia chegado, com suas almofadas pesadas e envoltas num couro marrom, sintético e áspero que nunca me agradou.
                As contas se tornaram prioridade. A dispendiosa mensalidade escolar, minha e da minha irmã, somada ao aluguel e às compras do mês resultava em gente dispersa pelos cantos da cidade. Os pais labutando o sustento da experimental família, os filhos nutrindo  as mentes e caminhando com passos largos ao incerto fututo, a caríssima sala vazia e o gato desfrutando o novo sofá. Mas, à noite, a figura toda se transformava. A hora da janta era marcada como o período de se exercitar nosso apego, com lista rígida de tarefas a serem realizadas, como jantar juntos, demonstrar interesse na vida dos outros habitantes dali, ensaiar afeto e, é claro, apertar a família inteira em um único sofá, para a dose de horário nobre. Depois dormíamos satisfeitos com o incipiente progresso. As coisas melhorariam! (?)
                Não demorou muito para que a trilha sonora esmorecesse bastante. Os habitantes da casa foram diminuindo. Exceto os gatos, que eram repostos regularmente. Mas o sofá persistiu. Enfrentou estoicamente mais duas outras casas. Cerca de treze invernos, permeados por percalços financeiros, mas nunca um retrocesso. Todos ainda estávamos crescendo e abarrotados no sofá que testemunhou nossa emergência. Tamanhas as conquistas que o sofá agora é outro. Num tom de ótimo gosto, assentos retráteis e um chaise-longue. Espaçoso e acolhedor. Ironicamente, quando reunidos, ainda nos amontoamos num só canto dele. Um observador externo diria que é para sentirmos o calor que nos manteve juntos. Eu acho que a TV é pequena.