30 de dezembro de 2015

Old boy

    It was my birthday and I was surrounded by strangers. Nonetheless, they sang me those typical birthday songs, and there was even a cake. Everything felt good. I was feeling good. I wanted to cry.

    It was Sunday night and the cathedral bells tolled 10 o'clock. My head was about to explode and I couldn't sleep. How come there was no one around and I still felt as if I couldn't be?

    It was  Wednesday and I felt like running off again. Or maybe letting myself be ran over. Open throttle of my bike and closed eyes. Nothing happened. It all had already happened.

It was a nice afternoon and I was about to get lunch. I had no nightmares that day. The world wasn't done with me, but my thoughts were no longer screaming. I felt like coming back.

"Everybody goes home in October."

Pérolas do planalto

    Era um personagem que sempre causou-me certo terror. Com seus dentes escuros, o desgranhado cabelo branco, e uma barba áspera que brotava rala pelo rosto, juntamente com a exagerada magreza, davam a ele um ar marginal. Qualquer um teria o impulso de atravessar a rua ao vê-lo. O índio, como é conhecido, fazia suas aparições esporádicas na casa dos meus avós maternos. Amigo próximo do meu tio, tinham longas prosas, bebiam, e o índio fumava seus cigarros paraguaios, a que muito deve de sua aparência roída. Isso para não citar que, há anos,  vive com um pulmão somente. O destino do outro é evidente, mas o vício nunca foi abandonado. Sequer aventou-se a ideia. Diz-se que acender um novo pito foi o que primeiro fez ao sair do hospital. E contra toda expectativa,  o índio persiste.
    A alcunha causa frequentes enganos a quem espera encontrar um indivíduo de pele avermelhada, com sotaque primitivo, talvez usando um cocar. Não.  É assim conhecido dado seu ofício de artesão. O índio tem admirável habilidade em talhar madeira e dar luz às mais diversas obras, sempre retratando algo que aluda à natureza. Ao menos essa é a minha dedução.  Nunca perguntei a algum familiar a real origem do apelido. Muito de seu passado é ainda um mistério. Mesmo seu nome verdadeiro nunca ouvi, e garanto que não sou o único que o desconhece. Será sempre o índio.
    Foi meu tio quem contou-me num retorno à capital. O índio também visitava a casa de meus avós paternos. Meu avô era figura proeminente na cidade. Reverendo e professor de história.  Dono de um invejável biblioteca particular. O que eu nunca soube é que o índio costumava emprestar material de leitura,  fazendo dele, provavelmente, o maior auto didata daquele lugar.  Dizem que,  ainda que sem graduação formal, o índio espanta com seus conhecimentos de história. Uma raridade que faz-me contente. Uma vaga no tórax, aparência que beira a mendicância e um cérebro repleto de coisas que somente quem tem coragem de partilhar uma cerveja e suportar a exalação de cigarros tabajara pode desfrutar.

26 de dezembro de 2015

Geografia

O cigarro abarrotado e manchado de batom repousava num cinzeiro de alabastro,  queimando hipnoticamente, enevuando a alcova. Quase agradável. Formando uma tênue cortinas que dava àquela cena um ar onírico. Todas as formas bruxelavam. O robe de cetim, que emoldurava a poltrona parecia ter vida própria. O crepitar do tabaco ardente intrometia sutilmente o absoluto silêncio, competindo somente com o débil ronco dela. Toda alva. Com dourados cachos que despencavam sobre seu rosto adormecido e acariciavam seus ombros. Ainda com as tintas no rosto. Sultuosos mares azuis nas pálpebras e um incêndio nos lábios. Rosados seios. Morros cujo vale guiava às planícies de branca seda. No fim disso uma leve relva que crescia com viço. Trescalante.  Saborosa.

25 de dezembro de 2015

Tormenta

Começa sorrateiramente. Esparsas gotas burilam nas telhas, por aqui e ali, até o allegro. Lépidas tocam um ritmo frenético lá fora, enquanto nos arrefecem e desaceleram aqui dentro. Por tempo somente escuta-se a chuva e o mundo é feito de pingos, poças e enxurrada. Cessam os pássaros, os carros e os cães buscam abrigo. Todos juntos aguardam taciturnos o fim do milagre, que conclui como começa. Discreto. Agora os pardais que há pouco banharam-se na areia, farfalham nas copas encharcadas. As nuvens dão lugar ao azul e podemos,  novamente, vagar na lama.

24 de dezembro de 2015

Sarna

O cão era dócil. Mirava longa e amorosamente os habitantes da casa na cozinha,  enquanto repousava a cabeça no degrau da entrada. Tinha porte. Ancas robustas, patas firmes. Não tinha raça. Trazia maculada no couro a vida nas ruas.  Comichava-se aflitamente, com os dentes, quando não bastava arranhar o prurido com as unhas. Nos trechos despelados, tinha a carne exposta...cálida...fétida... Nutrindo as pulgas e carrapatos que, literalmente,  o devoravam vivo. Sua feição era conformada. Já não estava na rua. Seria consumido pela sarna em seu tapete...ao lado dos restos que o serviam. Não frio. Não quente. Simples, mas belo.