30 de dezembro de 2015

Pérolas do planalto

    Era um personagem que sempre causou-me certo terror. Com seus dentes escuros, o desgranhado cabelo branco, e uma barba áspera que brotava rala pelo rosto, juntamente com a exagerada magreza, davam a ele um ar marginal. Qualquer um teria o impulso de atravessar a rua ao vê-lo. O índio, como é conhecido, fazia suas aparições esporádicas na casa dos meus avós maternos. Amigo próximo do meu tio, tinham longas prosas, bebiam, e o índio fumava seus cigarros paraguaios, a que muito deve de sua aparência roída. Isso para não citar que, há anos,  vive com um pulmão somente. O destino do outro é evidente, mas o vício nunca foi abandonado. Sequer aventou-se a ideia. Diz-se que acender um novo pito foi o que primeiro fez ao sair do hospital. E contra toda expectativa,  o índio persiste.
    A alcunha causa frequentes enganos a quem espera encontrar um indivíduo de pele avermelhada, com sotaque primitivo, talvez usando um cocar. Não.  É assim conhecido dado seu ofício de artesão. O índio tem admirável habilidade em talhar madeira e dar luz às mais diversas obras, sempre retratando algo que aluda à natureza. Ao menos essa é a minha dedução.  Nunca perguntei a algum familiar a real origem do apelido. Muito de seu passado é ainda um mistério. Mesmo seu nome verdadeiro nunca ouvi, e garanto que não sou o único que o desconhece. Será sempre o índio.
    Foi meu tio quem contou-me num retorno à capital. O índio também visitava a casa de meus avós paternos. Meu avô era figura proeminente na cidade. Reverendo e professor de história.  Dono de um invejável biblioteca particular. O que eu nunca soube é que o índio costumava emprestar material de leitura,  fazendo dele, provavelmente, o maior auto didata daquele lugar.  Dizem que,  ainda que sem graduação formal, o índio espanta com seus conhecimentos de história. Uma raridade que faz-me contente. Uma vaga no tórax, aparência que beira a mendicância e um cérebro repleto de coisas que somente quem tem coragem de partilhar uma cerveja e suportar a exalação de cigarros tabajara pode desfrutar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ponha para fora!